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O ano de 2025 fica marcado por novos choques no Médio Oriente. Ataques cruzados entre Israel e Irão, acções dos rebeldes houthis contra navios no Mar Vermelho e instabilidade política no Golfo mudaram, em poucas semanas, a forma como governos e empresas olham para energia, inflação e taxas de juro. Ainda assim, o preço do petróleo não disparou como no passado. O mercado está mais espalhado por várias regiões, há mais informação em tempo real e isso evita pânicos prolongados.
Neste artigo, explicamos como os conflitos impactam os mercados e mostramos porque, apesar da maior resiliência do sistema energético, o mundo continua vulnerável a choques na região mais sensível para o petróleo.
Quando há tiros ou mísseis numa região que exporta petróleo, os mercados ficam em alerta. Não é preciso que um poço seja destruído; basta a ameaça de bloqueio de um estreito, de um oleoduto ou de um terminal portuário para alterar a percepção de segurança do abastecimento. A partir do momento em que os operadores duvidam de que cada barril sairá do ponto A e chegará ao ponto B sem sobressaltos, o crude ganha um “prémio de risco”: os compradores aceitam pagar mais hoje para garantir entrega amanhã.
Só em 2025, os ataques somam-se. Israel atingiu, a 12 de Junho, instalações que diz serem nucleares no Irão. Teerão retaliou de forma limitada num posto norte-americano no Qatar, mas nenhum dos lados fechou o Estreito de Ormuz, por onde passa cerca de 20 % do crude mundial. Por outro lado, os houthis disseram que visariam apenas navios ligados a Israel, mas as seguradoras já tinham subido o prémio de risco para toda a zona do Bab al-Mandab.
Contudo, esse impacto já não é uniforme nem duradouro como nas décadas de 1970 ou 1990. A oferta de xisto nos EUA, a produção do pré-sal brasileiro e novas descobertas na Guiana e no Canadá criaram almofadas que amortecem parte do choque. Além disso, a informação circula num instante, permitindo aos investidores distinguir entre um incidente localizado e uma crise que ameace o fluxo global. É neste contexto que analisamos, na secção seguinte, de que forma cada episódio de tensão se traduz em movimentos do preço do Brent — ora em picos breves, ora em subidas mais persistentes.
O caminho que vai do custo extra de um frete marítimo até aos cêntimos que pagamos no posto é relativamente curto. Para atravessar o Golfo e o Mar Vermelho durante o conflito, as seguradoras passaram a cobrar um prémio de guerra que ronda 0,15 % do valor de um super-petroleiro. Num navio de 130 milhões de dólares, isso representa perto de 195 mil dólares por viagem. Espalhado pelos dois milhões de barris que o navio transporta, este acréscimo traduz-se em cerca de dez cêntimos de dólar por barril, o que acaba por valer uns escassos 0,06 cêntimos de euro por litro de combustível acabado. Se, por precaução, o armador optar por contornar o Cabo da Boa Esperança, o trajecto alonga-se entre dez e catorze dias e os custos operacionais sobem perto de três milhões de dólares — mais um a dois dólares por barril, equivalentes a pouco mais de um cêntimo por litro. Refinarias e distribuidoras incorporam estas despesas na sua cotação de referência e, logo a seguir, somam-lhes impostos e margens. O resultado, sentido quase de imediato pelos automobilistas europeus, é uma variação típica de dois a três cêntimos por litro, metade da qual costuma desaparecer assim que os navios regressam à rota normal e os prémios de seguro baixam.
Nos mercados financeiros, a sucessão de incidentes no Médio Oriente gerou uma reacção rápida, mas longe de dramática. No auge da tensão, o S&P 500 recuou 0,8 % num único dia, acompanhado por uma subida do VIX para níveis que não se viam havia um mês, sinal de que os investidores procuravam proteger-se de oscilações bruscas. Ao mesmo tempo, o ouro consolidou-se acima de 3 300 dólares por onça, reforçando o seu estatuto de refúgio em períodos de incerteza, enquanto o rendimento das obrigações do Tesouro norte-americano a dez anos desceu cerca de 15 pontos base, reflexo da procura por activos considerados seguros. A rotação sectorial foi nítida: as acções ligadas à energia e à defesa beneficiaram do receio de escassez de petróleo, ao passo que consumo discricionário e tecnologia perderam fôlego. Ainda assim, à medida que ficou claro que nem Israel nem Irão queriam fechar o Estreito de Ormuz, as bolsas recuperaram em poucos dias e a volatilidade recuou. O episódio deixou uma lição: o mundo financeiro continua sensível a qualquer faísca na principal rota do petróleo, mas a maior diversidade de produtores e a rapidez com que flui a informação impedem que o pânico se prolongue como acontecia em crises anteriores.
No curto prazo, a evolução do Médio Oriente pode seguir três caminhos principais. O primeiro, e mais provável, é o cenário de contenção. Nele, Israel e Irão limitam-se a ataques pontuais, o tráfego naval no Mar Vermelho regressa quase ao normal e o Estreito de Ormuz mantém-se aberto. Nesse ambiente, o Brent deve oscilar entre 70 e 85 USD por barril, a inflação permanece controlada e as bolsas retomam uma subida lenta.
Com probabilidade intermédia surge o cenário de escalada regional. Aqui, o Hezbollah abre uma frente no Líbano, forças navais dos EUA e do Reino Unido intensificam-se na zona e os houthis começam a atacar navios sem ligação directa a Israel. O Brent poderia então testar valores entre 100 e 110 USD, os prémios de seguro duplicariam e o índice de volatilidade VIX superaria 30. Sectores como turismo e aviação seriam os primeiros a sentir o impacto.
Finalmente, existe o cenário extremo de bloqueio total do Estreito de Ormuz, cuja probabilidade é reduzida, mas não nula. Minas ou mísseis fechariam a passagem durante semanas, bloqueando cerca de 15 % da oferta global de crude. O barril ultrapassaria 150 USD, o gasóleo europeu poderia encarecer mais de 12 cêntimos por litro e várias economias importadoras enfrentariam recessão técnica, obrigando a uma libertação coordenada de reservas estratégicas.
Os choques no Médio Oriente lembram-nos de que o preço da energia pode mudar de um dia para o outro. Embora nenhuma empresa ou família consiga influenciar o Brent, todos podem limitar o impacto dessas oscilações no orçamento e na actividade diária. As sugestões que se seguem servem precisamente para isso: reduzir exposição, ganhar margem de manobra e transformar uma ameaça externa num risco gerível.
Para as empresas
Fixar custos de energia
Blindar contratos comerciais
Cláusulas de ajustamento automático de frete e “força maior logística” que cubram fechos de estreitos ou atrasos prolongados.
Para as pessoas
Conduzir de forma económica
Reduzir a dependência do carro
Tornar a casa mais eficiente
Proteger o orçamento familiar
O ano de 2025 recorda-nos que, apesar de termos hoje um mercado petrolífero mais amplo e transparente, a segurança energética global continua a depender de poucos corredores marítimos e de uma região politicamente instável. Os incidentes entre Israel, Irão e os houthis não fecharam Ormuz nem provocaram um choque prolongado nos preços, mas expuseram quão depressa um prémio de risco se transfere do super-petroleiro para o depósito do consumidor e para os gráficos das bolsas.
A boa notícia é que a diversidade de oferta - xisto norte-americano, pré-sal brasileiro, novos campos na Guiana e no Canadá - funciona como amortecedor. A má notícia é que tal almofada não elimina o perigo de um bloqueio total no Golfo. Para empresas, investidores e famílias, a estratégia vencedora passa por antecipar: fixar custos de energia, desenhar rotas alternativas, aumentar eficiência e manter reservas financeiras ou logísticas que compensem oscilações súbitas.
Se 2025 mostrou alguma coisa, foi que a diferença entre crise e contratempo reside na preparação prévia. A volatilidade veio para ficar, mas quem diversifica fontes, contratos e hábitos consegue transformá-la de ameaça existencial em variável de gestão. O Médio Oriente continuará a gerar manchetes; cabe-nos garantir que elas não se tornem sinónimo de paragem nas fábricas, de derrocada nos portefólios ou de sustos permanentes no orçamento familiar.