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Uma coisa é facto: o dinheiro atravessa fronteiras em questão de segundos. Não estamos a falar de notas em malas ou cofres blindados, mas de códigos e mensagens enviadas entre bancos. Por trás das transferências internacionais que movimentam triliões por dia, existe uma rede invisível, mas poderosíssima: o sistema SWIFT.
Mas ultimamente, essa rede está sob pressão. Tensões geopolíticas, sanções económicas e o avanço da tecnologia estão a empurrar muitos países a procurar caminhos alternativos. Surgem novos sistemas, moedas digitais oficiais e uma palavra que ganha cada vez mais força: fragmentação. Mas afinal, o que é que isso significa para o futuro do dinheiro?
Este é um artigo com linguagem acessível, tanto para quem está por dentro do assunto quanto para quem não entende tanto assim.
SWIFT é a sigla para Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication. Parece complexo, mas funciona como o "WhatsApp" dos bancos: ele não move dinheiro diretamente, mas envia mensagens super seguras que autorizam e organizam pagamentos entre instituições financeiras em mais de 200 países.
Criado em 1973 e com sede na Bélgica, o SWIFT conecta atualmente mais de 11 mil instituições financeiras, e o seu funcionamento é essencial para o comércio internacional, já que garante que pagamentos entre empresas de diferentes países sejam feitos com rapidez, segurança e rastreabilidade.
O que pouca gente sabe é que, embora seja tecnicamente uma organização cooperativa independente, o SWIFT está sujeito à legislação europeia e, na prática, sofre forte influência dos EUA e dos seus aliados ocidentais. Isto significa que pode (e já foi) usado como ferramenta de sanção económica.
Quando a Rússia foi excluída do sistema em 2022, por exemplo, os bancos do país perderam acesso ao principal canal de comunicação financeira global. Isso afetou desde grandes empresas até cidadãos comuns que faziam transferências internacionais. Para Moscovo, foi um alerta. E para outros países, um sinal claro de que depender do SWIFT pode representar um risco geopolítico.
Com a intensificação de conflitos geopolíticos, como a guerra entre Rússia e Ucrânia, o uso do SWIFT como instrumento político se tornou evidente. A exclusão de um país inteiro do sistema demonstrou que a infraestrutura financeira global pode ser usada como ferramenta de pressão, o que levou muitas nações a repensarem a sua dependência de uma rede centralizada sob influência ocidental.
O cenário de fragmentação começou a tomar forma: países encontrarem alternativas para manter sua soberania económica, criando sistemas próprios de compensação financeira e investindo em tecnologias emergentes, como as moedas digitais emitidas por bancos centrais.
O Cross-Border Interbank Payment System é a resposta chinesa ao SWIFT. Lançado em 2015, ele foi projetado para facilitar pagamentos internacionais em yuan, moeda oficial do país, e já está em uso por centenas de bancos dentro e fora da China. Embora ainda dependa parcialmente da infraestrutura do SWIFT para alguns processos, o CIPS representa um passo significativo rumo à independência financeira chinesa.
Além de promover o uso do yuan no comércio global, o CIPS fortalece a posição da China como uma potência económica alternativa ao Ocidente. A integração com países da Ásia, África e América Latina vem crescendo através de parcerias estratégicas e acordos bilaterais.
Em resposta às sanções de 2014 e às restrições pós-2022, a Rússia acelerou o desenvolvimento do Sistema de Transferência de Mensagens Financeiras (SPFS). Embora ainda limitado em termos de alcance internacional, o SPFS já é utilizado por bancos nacionais e está a ser expandido para países parceiros como Irão, Índia e alguns países africanos.
O SPFS visa criar uma rede interna resiliente e, eventualmente, conectar-se com outras infraestruturas não ocidentais. Aa sua evolução é acompanhada de perto por países que também temem futuras sanções.
O Financial Messaging System of the BRICS Alliance (FIMSA) é uma proposta ambiciosa que busca conectar os países do grupo BRICS - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - com uma rede de pagamentos segura, descentralizada e independente do dólar.
Embora ainda em fase de estudo e negociação, o FIMSA representa uma tentativa concreta de criar um novo polo financeiro global. A ideia é permitir transações diretas entre os membros, usando moedas locais ou digitais, com liquidações rápidas e sem intermediários ocidentais.
As Central Bank Digital Currencies (CBDCs) são versões digitais das moedas nacionais, emitidas diretamente pelos bancos centrais. Diferente das criptomoedas descentralizadas como o Bitcoin, as CBDCs são reguladas, estáveis e têm respaldo governamental.
Os principais objetivos dessas moedas incluem:
Exemplos de CBDCs em andamento:
Com tantos sistemas sendo criados em paralelo, surge uma questão crítica: como garantir que eles conversem entre si? A interoperabilidade entre redes financeiras será fundamental para que a fragmentação não resulte em isolamento económico.
Algumas iniciativas procuram justamente conectar CBDCs entre países, criando pontes digitais que substituam redes tradicionais como o SWIFT. Testes entre bancos centrais da China, Tailândia, Emirados Árabes e Hong Kong já demonstraram que transações em segundos, com custos reduzidos, são possíveis com moedas digitais integradas.
Com mais países criando os seus próprios sistemas e moedas digitais, o sistema financeiro global começa a parecer um mapa com várias rotas paralelas. Em vez de todos dependerem da mesma estrada (SWIFT), cada bloco económico cria seu próprio caminho. Isto pode significar:
- Redução da dependência do dólar
- Fortalecimento de moedas regionais
- Aumento do comércio bilateral (sem intermediários)
- Pressão por novos padrões globais de liquidação
- Risco de desintegração e conflitos técnicos/políticos
Vantagens:
Desvantagens:
Um dos desdobramentos menos comentados, mas extremamente relevantes dessa transformação global é o potencial para aumentar a inclusão financeira. Com o avanço das moedas digitais de bancos centrais (CBDCs) e a criação de sistemas alternativos mais simples e acessíveis, populações antes excluídas dos serviços bancários tradicionais podem finalmente ter acesso a meios de pagamento, poupança e crédito.
Países em desenvolvimento podem aproveitar essa nova infraestrutura digital para oferecer soluções mais seguras e transparentes, promovendo a educação financeira digital desde as escolas até comunidades rurais. Ao democratizar o acesso ao sistema financeiro, essa nova fase pode não só redesenhar o cenário geopolítico, mas também melhorar vidas em escala local, e isso talvez seja o impacto mais revolucionário de todos.
Mesmo com novas alternativas, é improvável que o SWIFT desapareça. Mas ele deverá dividir espaço com outras redes. O mundo caminha para um modelo multipolar, com sistemas financeiros paralelos e zonas de influência económica.
A cooperação é essencial: seja através de protocolos que conectem diferentes CBDCs, ou por acordos que definam padrões técnicos, regulatórios e de segurança. A corrida está em andamento e o vencedor pode não ser quem tiver o sistema mais poderoso, mas sim o mais conectado.
Assim como a política e a tecnologia, o dinheiro também está a escolher caminhos diferentes. Estamos a assistir a um novo capítulo da economia global, onde blocos regionais, moedas digitais e sistemas alternativos disputam espaço.
A fragmentação não é apenas uma possibilidade: ela já está a acontecer, e, num mundo cada vez mais multipolar, isso muda tudo. Governos, empresas e cidadãos precisarão adaptar-se a um ecossistema financeiro mais complexo, dinâmico e possivelmente mais justo, se houver colaboração.
A única certeza? O nosso dinheiro do futuro será digital, geopolítico e, acima de tudo, estratégico.