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Como os dados, a inteligência artificial e os dispositivos vestíveis estão a transformar a forma como nos alimentamos.
Durante décadas, seguir uma alimentação saudável baseava-se em recomendações gerais: reduzir açúcares, aumentar o consumo de vegetais e evitar gorduras saturadas. Contudo, a verdade é que o corpo humano não segue essas regras universais de maneira uniforme. O que resulta para uma pessoa, pode não ter qualquer efeito noutra e, pior ainda, pode até ter consequências negativas para a saúde.
Cada corpo é um sistema complexo e único, influenciado por diversos fatores, tais como genética, rotina, padrões de sono, nível de atividade física, stress, entre muitos outros. Por isso, a nutrição personalizada está a ganhar cada vez mais espaço. Especialmente agora, que a tecnologia evoluiu ao ponto de permitir adaptar planos alimentares às necessidades e características individuais de cada pessoa.
Estamos a viver uma verdadeira revolução na área da nutrição: a era da nutrição personalizada, sustentada por dispositivos vestíveis (wearables) e inteligência artificial (IA). Esta transformação silenciosa, mas poderosa, promete alterar radicalmente a maneira como lidamos com a comida, a saúde e o bem-estar.
A nutrição personalizada tem uma premissa fundamental: não existe uma dieta única que funcione para todos. O impacto dos alimentos no nosso corpo varia em função de múltiplos fatores, incluindo o ADN, microbioma intestinal, metabolismo, ambiente, atividade física e até o estado emocional de cada pessoa. Comer bem não se resume a escolher alimentos saudáveis mas a escolher os alimentos certos para cada organismo.
Com o avanço das tecnologias, é possível hoje ter acesso a ferramentas como testes genéticos, análises ao microbioma intestinal, avaliações hormonais e rastreios de intolerâncias alimentares. Estas ferramentas permitem criar um perfil nutricional individualizado, com base na biologia de cada pessoa, facilitando a criação de um plano alimentar que seja eficaz e adequado às suas necessidades.
A grande inovação que surge nesta equação é a tecnologia wearable.
Dispositivos como smartwatches, pulseiras fitness e sensores de glicose foram inicialmente desenvolvidos para monitorizar a atividade física. No entanto, o seu papel está agora a expandir-se para a área da nutrição e saúde de forma mais ampla. Estes dispositivos monitorizam dados em tempo real, como:
Estes dados oferecem uma leitura mais precisa do estado físico do corpo, permitindo um ajuste alimentar mais inteligente e eficaz. Por exemplo, se o sensor detetar baixa energia após o almoço, a recomendação pode ser aumentar a quantidade de proteínas de absorção lenta ou redistribuir os hidratos de carbono. Se a qualidade do sono for comprometida, a sugestão pode ser a inclusão de mais magnésio na dieta ou a eliminação de estimulantes ao final do dia.
Dispositivos como o Lumen, que mede a respiração para indicar se o corpo está a queimar gordura ou hidratos naquele momento, ou o Levels, que monitoriza a glicose de forma contínua, são apenas alguns exemplos de como a tecnologia pode ajudar a ajustar os planos alimentares de forma personalizada. O Whoop, por sua vez, acompanha o stress, a recuperação e o sono, e oferece recomendações baseadas no estado de fadiga do utilizador.
O objetivo principal é criar um plano alimentar dinâmico, responsivo e ajustado à realidade do dia a dia, ao contrário dos planos alimentares tradicionais, que são muitas vezes rígidos e não levam em consideração as variações cotidianas da vida.
Recolher dados é apenas o começo. A verdadeira revolução na nutrição personalizada ocorre quando conseguimos interpretar esses dados de maneira eficiente, e é aqui que a inteligência artificial (IA) entra em ação.
A IA tem a capacidade de analisar uma enorme quantidade de variáveis, como o que comemos, quanto dormimos, o nosso nível de atividade física, o nosso estado emocional, entre outros. Com base nessas informações, a inteligência aritificial (IA) pode gerar recomendações automáticas ajustadas ao momento presente. Isto significa que não estamos mais a falar de nutrição personalizada mas sim de nutrição adaptativa.
Exemplos práticos de como a IA pode ser usada para melhorar a nutrição:
Plataformas como ZOE, DayTwo e NutriSense já estão a aplicar a inteligência artificial na construção de planos alimentares personalizados. Estas plataformas cruzam os dados recolhidos pelos dispositivos vestíveis com IA para criar planos alimentares baseados em dados reais, como a resposta glicémica individual ou o estado do microbioma intestinal.
Para pessoas com condições específicas, como diabetes ou distúrbios metabólicos, esta tecnologia oferece uma forma inovadora de controlar e melhorar a saúde e o bem-estar, permitindo uma abordagem mais preventiva e proativa.
Embora o conceito de nutrição personalizada baseada em tecnologia wearable e IA possa parecer futurista, a verdade é que já está a acontecer, e a um ritmo acelerado. Cada ano que passa, os dispositivos vestíveis tornam-se mais acessíveis e sofisticados, as aplicações tornam-se mais intuitivas e a informação é cada vez mais democratizada. O que antes estava ao alcance apenas de atletas de elite ou de pacientes de clínicas especializadas, agora está disponível para qualquer pessoa.
E os benefícios desta abordagem são evidentes:
Estamos perante uma verdadeira revolução estrutural na forma como abordamos a alimentação. Em vez de ver a alimentação como um conjunto de regras fixas, passamos a vê-la como um diálogo contínuo com o próprio corpo, que se adapta à medida que as circunstâncias mudam.
Apesar de estarmos a assistir a um avanço tecnológico significativo, é importante lembrar que os profissionais de saúde, como nutricionistas, médicos e treinadores, continuam a desempenhar um papel crucial neste processo. A tecnologia não substitui a análise humana e o acompanhamento personalizado.
Na verdade, a função dos profissionais de saúde torna-se ainda mais relevante num mundo inundado de dados. São eles que ajudam a interpretar os dados de forma clínica, validam as recomendações, ajustam os planos de forma equilibrada e acompanham os seus pacientes com empatia.
A IA pode sugerir que uma pessoa está em défice calórico, mas é o nutricionista que sabe se esse défice faz sentido no contexto daquele paciente, tendo em consideração a sua saúde, objetivos e estilo de vida. A verdadeira combinação do conhecimento humano com a tecnologia é o que faz a diferença.
Além disso, os profissionais de saúde têm agora uma nova função: o de gestores de informação. Com tantos dados disponíveis, é fácil perder o foco. O nutricionista ajuda a filtrar as informações relevantes, selecionar dispositivos fiáveis e determinar quais as mudanças prioritárias a serem implementadas.
A alimentação está a passar por uma revolução tecnológica que promete transformar a nossa saúde e o nosso bem-estar. Com o auxílio da tecnologia wearable e da inteligência artificial, conseguimos agora personalizar a nossa nutrição de forma mais eficiente, dando resposta às necessidades individuais de cada pessoa.
Essa abordagem não se limita apenas em perder peso ou aumentar massa muscular mas a viver melhor, com mais energia, mais equilíbrio e mais consciência do que o nosso corpo realmente precisa.
Para quem procura melhorar a performance física, prevenir doenças ou simplesmente sentir-se melhor no seu dia a dia, esta tecnologia é uma ferramenta valiosa e promissora. O futuro da alimentação será personalizado, inteligente e profundamente conectado com o corpo. E esse "futuro" já começou.
Artigo escrito por Maria Luísa Franco, Nutricionista do Fitness UP, formada pela Faculdade de Ciências da Nutrição e da Alimentação da Universidade do Porto, especialista em Nutrição Desportiva e com mais de 10 anos de experiência na área.