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Nos últimos anos, a presença da proteína enquanto argumento de venda no setor alimentar disparou. Desde iogurtes a barras energéticas, passando por cereais, snacks e até gelados, a palavra “proteína” passou a dominar prateleiras e campanhas de marketing. Esta tendência, conhecida como Protein Pop, reflete o apelo crescente por produtos com alto teor proteico, muitas vezes associados à saúde, ao fitness e a estilos de vida ativos. Mas o que está realmente por detrás desta obsessão com a proteína? É uma necessidade nutricional legítima ou estamos perante uma estratégia de marketing bem-sucedida?
O termo “Protein Pop” refere-se ao fenómeno de popularização da proteína como ingrediente estrela em produtos alimentares de consumo diário. Deixou de estar confinada ao universo do desporto ou das dietas específicas para se tornar mainstream. Hoje, qualquer consumidor, independentemente do seu perfil atlético ou necessidades alimentares, é constantemente exposto a produtos promovidos como “ricos em proteína”, “protein-packed” ou “high-protein”.
O fenómeno não se resume apenas à reformulação de produtos para conterem mais proteína, mas também à forma como esses produtos são apresentados, embalados e comunicados. A proteína tornou-se sinónimo de saúde, saciedade, energia e até performance, numa narrativa cada vez mais difundida pelos meios de comunicação, influenciadores e marcas.
O aumento da procura por produtos ricos em proteína começou nos anos 2000, com o crescimento das dietas low-carb e high-protein, como a dieta Atkins e, mais tarde, a dieta Paleo e a dieta cetogénica (keto). Estas dietas incentivaram o consumo de proteína como alternativa aos hidratos de carbono, promovendo a sua eficácia na perda de peso e na regulação do apetite.
Simultaneamente, o fitness deixou de ser um nicho para se tornar uma cultura dominante. A ascensão das redes sociais e de plataformas como o Instagram e o TikTok ajudou a moldar uma estética corporal cada vez mais atlética, tonificada e “fit”. Neste contexto, a proteína surge como um elemento essencial para alcançar e manter esse corpo idealizado e as marcas souberam aproveitar a oportunidade.
Hoje, consumir produtos ricos em proteína não é apenas uma escolha alimentar, é também uma declaração de estilo de vida. Um batido proteico na mão ou um snack com “15g de proteína” no rótulo sinalizam que aquele consumidor cuida do seu corpo, que está informado, que tem objetivos. O produto deixa de ser apenas alimento: transforma-se em acessório cultural.
Esta lógica não é nova. No passado, ingredientes como o glúten ou o açúcar também foram demonizados ou glorificados conforme as tendências do momento. O que distingue a “Protein Pop” é a sua ubiquidade e versatilidade: pode ser adicionada a quase tudo, desde bolachas a cafés com leite vegetal.
Em Portugal, a tendência também se fez notar, sobretudo após a pandemia. O confinamento trouxe uma maior atenção à saúde e ao bem-estar, e os ginásios, treinos em casa e cuidados com a alimentação ganharam força. A proteína entrou em cena como resposta a este novo foco no corpo e na performance pessoal.
Algumas marcas de fitness já promoviam produtos proteicos para atletas há mais de uma década, mas nos últimos anos alargaram a oferta para públicos mais generalistas. Por outro lado, marcas tradicionais como a Danone, Mimosa, Continente ou Auchan começaram a lançar versões “high-protein” dos seus produtos clássicos, como iogurtes, leites ou sobremesas.
Além disso, plataformas de retalho têm vindo a destacar cada vez mais estas opções nos seus folhetos e websites, muitas vezes agrupadas em categorias como “Fitness” ou “Vida Saudável”, mesmo quando os produtos não são especificamente dirigidos a desportistas.
A proteína é, de facto, essencial para o organismo. É fundamental para a construção e reparação muscular, o funcionamento enzimático, a produção hormonal e inúmeros processos biológicos. A recomendação diária para um adulto saudável ronda os 0,8g de proteína por quilo de peso corporal, o que, para alguém com 70kg, representa cerca de 56g por dia.
Contudo, a maioria das pessoas em países ocidentais, incluindo Portugal, já consome proteína em quantidades suficientes, mesmo sem recorrer a produtos fortificados. Carnes, peixes, ovos, lacticínios, leguminosas e frutos secos são fontes ricas e variadas.
O que a tendência “Protein Pop” faz é criar a perceção de uma carência que raramente existe. Muitos produtos promovidos como “ricos em proteína” oferecem apenas ligeiras mais-valias nutricionais em comparação com as suas versões normais, por exemplo, um iogurte com 10g de proteína em vez de 6g. A diferença raramente justifica o preço mais elevado ou a quantidade de aditivos usados para aumentar o teor proteico.
O discurso promocional em torno da proteína baseia-se em várias premissas, algumas delas cientificamente sustentadas, outras nem tanto:
- Saciedade: A proteína promove uma sensação de saciedade mais prolongada, o que pode ajudar a controlar o apetite. Isto é verdade, mas depende do contexto e da composição geral da refeição.
- Massa muscular: É necessário consumir proteína para preservar ou ganhar massa muscular, especialmente em combinação com exercício físico. Porém, mais proteína não equivale automaticamente a mais músculo.
- Energia: Muitas marcas sugerem que os seus produtos “energizam” o corpo graças à proteína, o que não corresponde à realidade. A proteína não é a fonte de energia preferencial do organismo. Esse papel cabe aos hidratos de carbono e às gorduras.
Além disso, a forma como a proteína é adicionada e apresentada nos produtos nem sempre é a mais transparente. Termos como “isolado de proteína”, “concentrado proteico” ou “proteína hidrolisada” escondem processos industriais complexos, muitas vezes acompanhados de edulcorantes artificiais, aromas e conservantes.
O “health halo” é um efeito cognitivo que leva os consumidores a perceberem um produto como saudável apenas por ter um atributo positivo, neste caso, a proteína. Muitos snacks proteicos contêm altos teores de gordura saturada, sódio ou adoçantes artificiais, mas são percebidos como escolhas saudáveis devido à palavra “proteína” no rótulo.
O risco aqui é duplo: por um lado, o consumidor sente que está a fazer uma boa escolha e acaba por consumir mais; por outro, pode negligenciar outras dimensões nutricionais importantes, como o equilíbrio de macronutrientes, a presença de fibras ou o processamento do produto.
Outro elemento impulsionador da tendência “Protein Pop” é o crescimento da alimentação baseada em plantas. À medida que mais pessoas adotam dietas vegetarianas ou flexitarianas, surgem produtos com proteína vegetal como alternativa à proteína animal.
A proteína de ervilha, de soja, de arroz ou de grão-de-bico são agora ingredientes comuns em produtos como bebidas vegetais, hambúrgueres, snacks ou suplementos. Além disso, novas tecnologias permitem criar proteínas fermentadas ou cultivadas em laboratório, com potencial para revolucionar a indústria alimentar num futuro próximo.
Estas inovações respondem não apenas a exigências nutricionais, mas também ambientais, uma vez que a produção de proteína animal é uma das principais causas de emissões de gases com efeito de estufa.
A questão que se coloca é: estaremos perante uma tendência passageira ou uma mudança estrutural no paradigma alimentar?
Se é verdade que o “Protein Pop” pode ser, em parte, um fenómeno de moda alimentado por estratégias de marketing, também é verdade que reflete preocupações reais com saúde, sustentabilidade e funcionalidade dos alimentos. A proteína, nesse sentido, tornou-se um símbolo da procura por mais controlo sobre o corpo, o desempenho e até o envelhecimento.
Com o envelhecimento da população, por exemplo, aumenta a preocupação com a perda de massa muscular (sarcopenia), e a proteína pode ter aqui um papel preventivo. Por outro lado, com o aumento das doenças metabólicas, há uma maior vigilância sobre o consumo de açúcares e hidratos refinados - o que abre espaço para substituições por alimentos proteicos.
O desafio agora é encontrar equilíbrio e literacia alimentar. Nem todos os produtos “high-protein” são necessariamente maus ou enganosos, mas devem ser consumidos com consciência, em função das necessidades individuais.
As marcas, por sua vez, têm a responsabilidade de não explorar o desconhecimento dos consumidores para inflacionar preços ou vender produtos com perfil nutricional duvidoso. A transparência na rotulagem, a educação alimentar e a ética na comunicação devem acompanhar esta evolução do mercado.
A tendência Protein Pop espelha uma era em que os consumidores procuram cada vez mais alimentos que não sejam apenas fonte de prazer, mas também instrumentos de saúde, performance e identidade. A proteína encaixa neste desejo de otimização pessoal, mas o entusiasmo pode, por vezes, toldar o sentido crítico.
Consumir proteína é importante, mas mais nem sempre é melhor. Antes de se deixar levar por embalagens chamativas ou slogans ambiciosos, o consumidor deve perguntar-se: preciso mesmo disto? Que tipo de proteína está aqui presente? Que mais contém este produto?
A proteína pode continuar a ser uma aliada na alimentação moderna, desde que usada com moderação, informação e sentido crítico e em complemento de um estilo de vida ativo, com prática de exercício físico e escolhas responsáveis.