PLANO DE TREINO
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Durante décadas, o treino físico e a alta performance foram vistos como disciplinas estritamente dependentes da força de vontade, da disciplina e da genética. O foco estava na repetição exaustiva, na superação da dor e na adesão a programas rigorosos.
Contudo, tal como a nutrição se tem vindo a personalizar com o avanço da tecnologia, a ciência do exercício físico também revela que o corpo humano e a mente não funcionam de forma universal.
Cada corpo é um sistema complexo e único, influenciado por diversos fatores, tais como genética, rotina, padrões de sono, nível de atividade física e o estado emocional.
Neste contexto, a música surge como um elemento cada vez mais reconhecido e estudado, que tem um papel importante na otimização da performance de treino. Estamos a assistir a uma verdadeira revolução na forma como abordamos o exercício: a era do treino otimizado pela música, sustentada por evidências científicas e pela experiência empírica de atletas.
A premissa fundamental da música no treino é que ela é muito mais do que um mero acompanhamento ou distração. O impacto dos sons e ritmos no nosso corpo e mente varia em função de múltiplos fatores, incluindo as nossas preferências pessoais, o tipo de treino e até o nosso estado emocional.
Treinar bem não se resume a seguir um plano rigoroso, mas a otimizar cada sessão e a música tem-se revelado uma ferramenta poderosa para tal.
Com o avanço da neurociência e da psicologia do desporto, é possível hoje ter acesso a um entendimento mais profundo de como a música interage com os nossos sistemas fisiológicos e psicológicos.
Estudos sobre a influência da música na motivação, na perceção de esforço e na performance física têm aumentado, permitindo criar um perfil de "banda sonora ideal" individualizado, com base nas respostas únicas de cada pessoa ao som.
A grande inovação que surge destes estudos é a compreensão de que a música é um facilitador de desempenho.
Inicialmente utilizada de forma intuitiva para animar sessões de treino, o papel da música está agora a expandir-se para a área da performance desportiva de forma mais ampla, com base em evidências científicas. Os seus efeitos são monitorizados em tempo real e abrangem tanto as esferas psicológicas como as fisiológicas.
A música atua como um potente catalisador motivacional, induzindo um estado de "flow" que pode tornar a atividade física mais envolvente e prazerosa.
Estudos revelam que a música, especialmente a preferida, pode atuar como um "propulsor" para o movimento, aumentando o desejo de se exercitar e a vontade de ir ao ginásio.
A música tem a capacidade de influenciar positivamente o humor, reduzindo sentimentos de tristeza e ansiedade.
Atua como uma poderosa ferramenta de distração, desviando a atenção da fadiga, do desconforto e da dor, o que permite adiar a exaustão. A escolha de música preferida tem sido consistentemente associada a alterações positivas no humor durante o exercício.
Um dos benefícios mais estudados da música é a sua capacidade de diminuir a perceção de esforço, especialmente em intensidades submáximas de exercício. Isto significa que o atleta sente que está a fazer menos esforço do que realmente está, permitindo sustentar a atividade por mais tempo ou com maior intensidade.
Contudo, é importante notar que, em intensidades muito elevadas, o efeito de distração da música pode ser menos pronunciado, pois as sensações fisiológicas tornam-se avassaladoras.
Embora menos explorado, há indícios de que a música pode ter um impacto positivo na vitalidade do atleta, contribuindo para uma sensação geral de energia e bem-estar durante e após o exercício.
A música motivacional demonstrou melhorar o desempenho aeróbico, aumentando o tempo de exaustão e a distância percorrida.
Em circuitos de treino de resistência, a música pode levar a uma menor perceção de esforço (RPE), uma frequência cardíaca (FC) mais baixa e uma pressão arterial sistólica (PAS) mais elevada.
Estudos indicam que a música pode influenciar positivamente a força máxima (por exemplo, extensão do joelho) e a resistência de força (como no bench press ou handgrip).
Tal como nos benefícios psicológicos, a música preferida tende a produzir melhores resultados neste campo.
Embora a relação direta durante o exercício possa variar, a música pode influenciar a frequência cardíaca.
Músicas com um ritmo mais rápido tendem a aumentar a nossa frequência cardíaca devido à ativação simpática, enquanto músicas mais calmas e meditativas, especialmente no pós-treino, ajudam a reduzi-la.
A música calma desempenha um papel crucial na fase de recuperação.
Ajuda a diminuir a frequência cardíaca gradualmente, contribui para a reparação muscular e melhora o desempenho geral em sessões futuras.
Músicas com um ritmo lento podem ajudar a reduzir a concentração de lactato no sangue após o exercício intenso, um indicador importante da recuperação muscular.
Nem toda a música é igual quando se trata de performance. Certos elementos musicais têm um impacto mais significativo:
O tempo (BPM – batidas por minuto) é, talvez, o elemento mais crítico. Tempos mais rápidos (geralmente entre 120 e 140 BPM, ou mesmo acima de 140 BPM para atividades de alta intensidade) são consistentemente associados a melhorias no desempenho, maior prazer no exercício e redução da RPE, especialmente em intensidades submáximas.
O ritmo, por sua vez, é fundamental para o controlo motor e para a sincronização dos movimentos com a música, um fenómeno conhecido como "entrainment".
Embora a preferência pessoal seja crucial, alguns géneros musicais são mais eficazes em certas atividades.
Por exemplo, a música eletrónica e os êxitos dos anos 80 demonstraram ser altamente motivadores para atividades como a ginástica localizada.
O importante é que o género seja do agrado do praticante. A música preferida geralmente resulta em melhor desempenho e humor, independentemente do género específico.
Embora não tão estudadas como o tempo e o ritmo, as letras podem influenciar a motivação.
Letras inspiradoras ou com mensagens positivas podem reforçar o efeito motivacional, enquanto letras desagradáveis ou distrativas podem ter o efeito oposto.
A ciência tem procurado explicar como a música exerce a sua influência no exercício:
Esta teoria sugere que a música atua como um estímulo externo que compete com as sensações internas de esforço e fadiga. Ao desviar a atenção do desconforto, a música permite que o indivíduo se esforce mais, sem sentir o peso da fadiga.
Este efeito é mais notório em exercícios de intensidade moderada, onde a distração é mais eficaz, diminuindo à medida que a intensidade se aproxima do máximo.
Esta teoria baseia-se na sincronização dos movimentos com o ritmo musical. Os impulsos neurais do ritmo auditivo estimulam impulsos motores neurais, levando a que os movimentos se alinhem com a música.
Isto influencia o controlo motor, o timing e o movimento, otimizando a eficiência e a coordenação.
Esta é uma razão pela qual muitas aulas de grupo, como spinning ou body combat, são fortemente coreografadas com a música.
Uma teoria mais abrangente que propõe que a música influencia a atividade física e os resultados na saúde através de respostas psicológicas (alteração do humor, distração auditiva, interação social) e fisiológicas (estímulo para o movimento via entrainment).
Enfatiza o aumento do prazer, da motivação, da distração, do desconforto e da melhoria da participação e desempenho.
Tal como a nutrição adaptativa , que utiliza a inteligência artificial para ajustar planos alimentares em tempo real, a utilização da música no treino pode seguir uma lógica semelhante.
A seleção musical pode ser ajustada dinamicamente com base em dados de performance, feedback subjetivo do atleta e objetivos específicos da sessão.
Se o objetivo é aquecer, uma música mais calma pode ser ideal. Para o ponto alto do treino, uma batida mais forte e motivadora. E para os alongamentos, algo relaxante para promover a recuperação.
A influência da música na performance de treino é um campo dinâmico e em constante evolução que promete transformar a nossa abordagem à saúde e ao bem-estar físico.
Com a compreensão aprofundada de como os sons e ritmos afetam o nosso corpo e mente, conseguimos otimizar as nossas sessões de treino de forma mais eficiente, dando resposta às necessidades e preferências individuais de cada pessoa.
Esta abordagem não se limita apenas a aumentar a resistência ou a força, mas a viver melhor, com mais energia, mais foco e uma maior consciência do que o nosso corpo é capaz de alcançar.
Se procuras melhorar a performance desportiva, superar desafios ou simplesmente sentir-te melhor no teu dia a dia, a música é uma ferramenta valiosa e promissora. O futuro do treino será personalizado, inteligente e profundamente conectado com o ritmo do nosso corpo!